Ao entoar o samba-enredo “Histórias Para Ninar Gente Grande”, em 2019, a Estação Primeira de Mangueira denunciou uma narrativa fictícia da história do Brasil, visto que anula a contribuição social, política e cultural de homens e mulheres importantes - principalmente pessoas negras.
Através de uma leitura crítica do enredo, é possível perceber que cada verso é, na verdade, um convite para desconstruir personagens históricos, tidos como “heróis emoldurados”.
No entanto, essa tendência de embranquecer a história, bem como de retirar o papel fundamental, principalmente de mulheres importantes, não ocorre somente na América do Sul.
Isto é, é um adversidade mundial, arraigada por consequência de uma sociedade patriarcal, branca, que renega um racismo estrutural. E Rosa Parks é um exemplo disso.
Isso porque a ativista americana lutava pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, mas poucas pessoas a conhecem. E, conforme o samba da Mangueira nos alerta, dedicar um texto a ela (ainda que seja uma singela reparação) é contar “a história que a história não conta”.
Além disso, é deixar-se inspirar por mulheres importantes que não estiveram ou estão “à frente do seu tempo”.
Pelo contrário, são e foram mulheres que sempre souberam do espaço que ocupavam, bem como das injustiças que sofriam e lutavam para alterar o rumo da narrativa.
Rosa Parks
Sem mais delongas, Rosa Louise McCauley, referida como Rosa Parks, nasceu em fevereiro de 1913, em Tuskegee, Alabama, nos EUA.
Na época, o estado do Alabama vivia uma segregação racial intensa e, como resultado, os ônibus da cidade dedicavam as primeiras filas para brancos, enquanto as últimas eram destinadas aos negros.
Já os assentos do meio eram livres, ao menos que um branco ficasse em pé. Se esse fosse o caso, a pessoa negra deveria se levantar e ceder o seu lugar. Em dezembro de 1955, Parks, com 42 anos, ocupava um desses assentos e, após ser ordenada a levantar-se pelo motorista, ela se recusou e foi presa.
Dito isso, muitos se perguntam “por que Rosa Parks ficou famosa?”. Além do ato de desafiar as leis segregacionistas estabelecida na cidade, a atitude de Parks marcou o que é considerado o início do movimento pelos direitos civis dos negros.
Além disso, sua atitude deu início ao boicote dos ônibus, organizado pelo Conselho Político Feminino e apoiado por Rosa Parks e Martin Luther King Jr., junto com figuras da classe artística, como Harry Belafonte.
Esse boicote foi caracterizado por milhares de pessoas negras que se recusaram a pegar ônibus e passaram a caminhar pela cidade, “o que gerou um grande problema financeiro, porque eles eram os principais usuários”, segundo o El País.
Após 44 anos do protesto silencioso, porém, poderoso da “mãe dos movimentos pelos direitos civis”, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, condecorou-a com a medalha de ouro do Congresso norte-americano.
Em seu discurso de agradecimento, Parks, já com 88 anos, “ressaltou que a homenagem deveria servir para encorajar todos os que lutam pela igualdade de direitos em todo o mundo”, conforme o Geledés.
Ademais, em 2002, Paris Qualles escreveu o roteiro de “A História de Rosa Parks”, filme dirigido por Julie Dash, com atrizes como Angela Bassett e Cicely Tyson.
No entanto, três anos depois do lançamento do filme, Rosa Parks morreu de causas naturais em 24 de outubro de 2005, no seu apartamento, localizado em Detroit, Michigan, EUA.
Claudette Colvin
O que poucos sabem, fato que não tira o mérito de Rosa Parks, é que nove meses antes, em Montgomery, uma cidade a 62 km de Tuskegee, uma menina de 15 anos, chamada Claudette Colvin, também recusou-se a levantar do ônibus para uma passageira branca.
No entanto, como Parks era secretária da filial de Montgomery da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), além de costureira em uma loja de departamentos, ela conseguiu com que a polêmica chegasse à Suprema Corte.
Um ano depois, em dezembro de 1956, a segregação nos transportes públicos foi anulada.
Atualmente, com 82 anos de idade, Colvin não fala muito sobre o ocorrido, mas em uma entrevista à BBC, em abril de 2018, contou detalhes de como foi presa. Inclusive, ela compartilha que foi à Suprema Corte para fortalecer a resistência contra a segregação.
“Eu dei meu depoimento sobre o sistema, dizendo que ele nos tratava injustamente. Ainda assim, após a decisão do tribunal, alguns passageiros brancos ainda se recusavam a se sentar ao lado de negros”, finaliza Colvin.
Outras mulheres negras importantes
Além de mulheres importantes, tal como Rosa Parks e Claudette Colvin, há outras que atuaram na luta abolicionista, antirracista e no movimento feminista estadunidense, como Sojourner Truth, bell hooks e Angela Davis.
Inclusive, tanto a contribuição de Sojourner Truth quanto a de bell hooks foram mencionadas no texto “O que é sororidade e por qual motivo precisamos falar sobre isso?”. Ou seja, vale a pena a leitura para entendê-las.
Mulheres negras importantes na história do brasil
Tal como nos Estados Unidos, o Brasil também foi um país que teve (e ainda tem) mulheres importantes, mas que “o livro apagou”, citando novamente o samba-enredo da Mangueira.
Inclusive, a escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes fez uma pseudo etnografia ao compilar, em seu livro “Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis”, a história de 15 heroínas do país. A publicação possibilita conhecermos um Brasil que não está no retrato.
Se você desconhece o livro, saiba que ele é um reduto de narrativas de mulheres importantes, reais, de diferentes áreas, que romperam paradigmas e, de certa forma, abriram caminhos para uma certa liberdade que, nós, hoje, desfrutamos no século XXI.
A seguir, você confere algumas que estão presentes no livro.
Esperança Garcia
Esperança nasceu em uma fazenda de algodões, no final do século XVIII, de propriedade dos jesuítas, onde hoje localiza-se o município de Nazaré do Piauí.
Negra, escravizada, foi alfabetizada ilegalmente, uma vez que era crime ensinar pessoas negras a ler e escrever.
Na fazenda, Esperança se casou e teve um filho. No entanto, Marquês do Pombal expulsou-a do Piauí e, separada do marido, ela e o filho foram levados como escravos para a casa de Antônio Vieira de Couto, onde ambos eram espancados violentamente.
Por conta disso, em setembro de 1770, com 19 anos, Esperança escreveu uma carta ao governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, denunciando a situação em que vivia e solicitando que voltasse à fazenda de algodões.
Apesar do ato de coragem, não se sabe o desfecho da história. No entanto, em 1979, a carta foi encontrada pelo historiador Luiz Mott e trata-se “do documento mais antigo de reivindicação de uma pessoa escravizada a uma autoridade”, conforme o site Esperança Garcia.
O que se sabe, no entanto, é que depois de 247 anos, Esperança recebeu o título de primeira mulher advogada do Piauí, do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI). Isso porque sua carta foi considerada como uma petição.
Laudelina de Campos Melo
Laudelina é conhecida como fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil, uma grande conquista para um país que possui o maior número de domésticas do mundo, conforme informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Nascida em 12 de outubro de 1904, em Poço de Caldas, Minas Gerais, aos sete anos de idade já trabalhava como empregada doméstica, limpando e cozinhando. No entanto, foi com 16 anos que seu ativismo começou a florescer.
Mas, o que aconteceu quando Laudelina de Campos fez 16 anos? Foi com essa idade que Laudelina foi eleita presidenta do Clube 13 de Maio, uma associação que promovia atividades políticas e culturais para negros da cidade.
Entretanto, dois anos depois, Laudelina mudou-se para São Paulo, casou-se e teve dois filhos. Já separada, em 1963, após filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro, fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil.
Por fim, com 57 anos, Laudelina fundou a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas. Essa iniciativa culmina, em 1988, com a criação do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos.
E aí, gostou de saber um pouco da história dessas mulheres importantes e inspiradoras? Se você ainda não as conhecia, faço, de um trecho do livro de Jarid Arraes, as minhas palavras - com algumas mudanças:
“Se você não conhecia
Essas histórias inspiradoras
Peço que também espalhe
Porque são transformadoras”.
Esperamos que você tenha gostado! Aproveite e saiba quem foi Maria Quitéria, a heroína da independência brasileira.