Em primeiro lugar, vamos localizar a palavra no espaço-tempo. O conceito de sororidade está ligado ao movimento feminista que, por sua vez, é atravessado por questões de gênero, classe e raça - isso fará mais sentido adiante.
Dito isso, em discussões e produções acadêmicas, tal como em espaços políticos, sororidade é uma palavra trivial. Utilizada pela primeira vez pela escritora e ativista feminista Kate Millett, nos anos 70, conforme informações do Educa+Brasil, a sororidade surge de “sóror” que, em latim, significa irmã.
No entanto, a curiosidade sobre “o que é sororidade?” Instaurou-se em grande parte da população brasileira há pouco tempo, no momento em que foi mencionada pela cantora e atriz Manu Gavassi, durante a vigésima edição do Big Brother Brasil (BBB).
Prova disso é que, na época, as pesquisas sobre o termo “sororidade” subiram exponencialmente no Google, atingindo a marca de 250%, como noticiou o Estadão.
É claro que a popularidade do termo não é responsabilidade apenas de Gavassi. Houveram outros movimentos que também foram fundamentados pela sororidade, como o #metoo no Twitter, liderado por celebridades de Hollywood para denunciar abusos sexuais.
Entretanto, é justo dizer que Gavassi excerceu um grande papel ao iluminar o significado da palavra no Brasil, quando a utilizou como justificativa de voto em um programa de grande audiência e repercussão.
Mas, enfim, o que é sororidade? E por qual motivo precisamos falar sobre isso? Para responder essas duas perguntas, não há como desconsiderar o movimento feminista. Vamos lá?
Feminismo e sororidade
Desde muito cedo, as mulheres são ensinadas a disputar entre si, tanto em espaços sociais, quanto em relações de amizade.
Isso significa que, em determinada situação, por mais simples que ela seja, ao invés de demonstrar apoio a uma mulher, o caminho mais fácil é o de julgá-la - mesmo sem conhecê-la.
E qual é o motivo desse julgamento “sem precedentes”? A resposta não é tão fácil, tanto que é objetivo de estudo até os dias atuais por pesquisadoras feministas.
Entre algumas explicações, essas teóricas abordam o fato de vivermos em uma sociedade patriarcal que incita esse tipo de comportamento e faz com que nossas referências, enquanto mulheres, sejam homens (em qualquer área).
Em outras palavras, é colocar o homem no centro da sociedade (onde ele já se encontra) e, a partir disso, fazer com que mulheres se inspirem e busquem por aprovação masculina a todo custo, gerando ódio, rivalidade e criticismo entre as mulheres.
Há um exemplo disso que pode ser provado através de um simples exercício: quais são suas referências, seja na literatura, na música, no esporte, no entretenimento ou no trabalho? Certamente, o nome de vários homens aparecerão na sua cabeça.
E, de certa forma, é justo que isso aconteça, uma vez que a sociedade é comandada por eles. No entanto, é justamente esse ciclo que deve ser quebrado. Afinal, elas estão por aí, produzindo tanto ou mais que os homens, só que com menos da metade da visibilidade.
É aqui que o conceito de sororidade começa a fazer sentido: permita se sentir inspirada por mulheres. No momento em que você passa a rever sua admiração e admite o fato de que, sim, somos desde cedo ensinadas a enaltecer homens e criticar mulheres, a palavra sororidade passa a fazer sentido.
Tá, mas o que é sororidade?
Algumas coisas sobre a palavra você já sabe, como sua origem e quem foi a responsável por mencioná-la pela primeira vez. Ademais, sororidade é um conceito que, quando colocado em prática, nos ensina a não odiar mulheres pelo fato delas serem mulheres.
Entretanto, sororidade não é você gostar de todas as mulheres ou concordar com elas o tempo todo, mas, sim, evitar replicar um ódio sem qualquer explicação.
Além disso, o conceito de sororidade, vinculado aos estudos feministas contemporâneos, nos possibilita, tanto a enxergar mulheres como aliadas na luta a favor da igualdade de gênero, mas considerando o fato que somos completamente diferentes.
É aqui que outras duas palavras importantes devem ser mencionadas: consciência de classe e empatia.
Isto é, sororidade também é se perguntar: qual é o meu privilégio enquanto mulher? Será que a forma como eu enxergo o feminismo visa emancipar todas as mulheres?
Feminismo versus auto emancipação
Para ajudar você nessa reflexão, vamos retomar os movimentos das Sufragistas na Europa a partir de 1897. As pautas consistiam em dar à mulher o direito de votar, da herança e, sobretudo, o direito ao trabalho.
Se você for uma mulher branca, cisgênero, essas questões foram de extrema importância para a sua emancipação - não há dúvidas. No entanto, você já parou para pensar que sempre houve uma classe de mulheres que sempre trabalhou?
Sim, as mulheres negras. À vista disso, você, como mulher branca, consegue imaginar se houve algum sentido nessas discussões para mulheres negras?
Em 1951, a ativista abolicionista Sojourner Truth respondeu essa pergunta durante o Congresso das Mulheres de Ohio, nos EUA, durante um discurso memorável, que tornou-se uma das primeiras falas do feminismo negro. Ele chama-se “Eu não sou mulher?”.
A reflexão de Truth mostra que as reivindicações das Sufragistas foram feitas a partir de um lugar de classe. Ou seja, era apenas uma classe que estava reivindicando direitos, uma vez que as outras (mulheres negras, indígenas, periféricas etc) não podiam/podem sequer ter acesso a eles ou já estão inseridas em lógicas nefastas de trabalho.
É por esse motivo que a sororidade possui relação com consciência de classe e empatia. Em outras palavras, é considerar que somos mulher, mas possuímos experiências e histórias diferentes. Algumas mais privilegiadas, outras nem tanto.
Isto é, sororidade é abrir-se para compreender a existência única e particular de uma outra mulher.
Caso contrário, se o movimento feminista “se recusa firmemente a tratar das restrições socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossíveis para uma ampla maioria de mulheres”, conforme “Feminismo para os 99%: um manifesto”, o objetivo da luta torna-se a auto emancipação da mulher branca, privilegiada, ao invés de ser uma luta por igualdade.
Em conclusão, sororidade é aliar-se às mulheres, sem desconsiderar a experiência de vida de cada uma, sem generalizações. E ao fazer isso, há duas coisas que serão desconstruídas: o machismo, bem como o feminismo liberal.
Dito isso, vamos a alguns esclarecimentos:
Sororidade feminina
Apesar do que algumas pessoas pensam, sororidade feminina não é uma linha de pensamento dentro do conceito de sororidade; é uma forma redundante de se referir a uma palavra que, por si só, já sugere que estamos falando do sexo feminino.
Existe sororidade masculina?
Não! Como mencionado no início do texto, o conceito de sororidade está ligado ao feminismo. Para palavras que simbolizam a união entre os homens, você pode utilizar tanto fraternidade quanto irmandade.
A verdade é que opções não faltam, uma vez que os homens exercem a irmandade de forma mais natural. Inclusive, uma forma popular para referir-se sobre o vínculo entre homens é “broderagem”.
Inclusive, já que estamos nesse assunto, no livro “Políticas da realidade: ensaios sobre Teoria Feminista”, a teórica feminista Marilyn Frye menciona que “o amor dos homens é homoafetivo, uma vez que eles parecem incapazes de direcionar às mulheres o mesmo amor amigo que direcionam aos seus pares masculinos”, conforme menciona a Revista Cult.
Como praticar a sororidade?
Boa pergunta, ainda mais depois desta longa reflexão. Afinal, estamos sugerindo que você opere em uma nova forma de viver os seus dias, bem como se relacionar com o fato de “ser mulher”.
Ou seja, sabemos que não é um processo fácil ou que um único texto será o suficiente para apoiar você nessa mudança, mesmo que você esteja disposta a isso. No entanto, existem algumas literaturas que podem ajudar você.
Além de ler sobre o tema, ou seja, saindo do campo teórico e adentrando o campo prático, há algumas atitudes que você pode tomar para praticar a sororidade:
- Não julgue uma mulher que toma atitudes diferentes das suas;
- Aposte em mulheres. Ou seja, se você ocupa um cargo de gerência em uma empresa, contrate mulheres negras, indígenas, periféricas e trans;
- Não julgue uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher;
- Olhe para sua mãe como uma mulher que, assim como qualquer outra, merece empatia;
- Exerça empatia. Escute, leia ou assista a vivência de outras mulheres, principalmente àquelas que não compartilham da mesma realidade que a sua;
- Valorize e ajude a compartilhar o trabalho de outras mulheres;
- Entenda: ninguém é detentor(a) do conhecimento. Assim sendo, sempre que possível, compartilhe o seu aprendizado com outras mulheres.
Gostou da reflexão? Então aproveite para ler: Já foi interrompida por um homem? Conheça o que é manterrupting e outras atitudes machistas
Até a próxima!